sexta-feira, 31 de dezembro de 2004

Conselho de Gabito

No último dia do ano, o 366.º, aquele que marca o extraordinário de um ano bissexto, como este, há que o assinalar com algo realmente de fabuloso, que nos diga algo e nos ponha a vida em perspectiva. Fica aqui a carta que Gabriel García Márquez, o grande escritor colombiano, escreveu e que marca sua despedida. Apesar de padecer de cancro linfático, ainda não morreu, mas já se antecipou a esse fim de tempo com uma declaração de vida. Hoje comprei o seu mais recente romance, Memoria de mis putas tristes, em castelhano. Não aguentei esperar pela versão portuguesa. Hoje quis relembrar as magníficas palavras de Gabito:
«Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso, mas pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais. Entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os outros param, acordaria quando os outros dormem. Ouviria quando os outros falam, e como desfrutaria de um bom gelado de chocolate! Se Deus me oferecesse um pouco de vida, vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto, não apenas o meu corpo, mas também a minha alma. Meu Deus, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperava que nascesse o sol. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas de um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à lua. Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos seus espinhos e o beijo encarnado das suas pétalas... Meu Deus, se eu tivesse um pouco de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas de quem gosto que gosto delas.
Convenceria cada mulher ou homem que é o meu favorito e viveria apaixonado pelo amor. Aos homens, provar-lhes-ia como estão equivocados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saberem que envelhecem quando deixam de se apaixonar! A uma criança, dar-lhe-ia asas, mas teria que aprender a voar sozinha. Aos velhos, ensinar-lhes-ia que a morte não chega com a velhice, mas sim com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, os homens... Aprendi que todo o Mundo quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a encosta. Aprendi que quando um recém-nascido aperta com a sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do seu pai, o tem agarrado para sempre. Aprendi que um homem só tem direito a olhar outro de cima para baixo quando vai ajudá-lo a levantar-se. São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas não me hão-de servir realmente de muito, porque quando me guardarem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer.

Gabriel García Márquez»


Carlos M. Gomes

Annus Horribilis ou não sei!

Olho para a minha agenda e procuro o primeiro dia de 2004. Nada a registar. Nenhum acontecimento, nada a fazer. A folha branca foi um descanso num ano que, a título pessoal, foi cheio. Cheio de algumas alegrias e de muitas tristezas. Saindo do meu umbigo, foi o ano da morte do Fehér, um assunto que me marcou muito, pois tive de fazer um trabalho sobre o assunto; foi o ano da saída de Durão Barroso para Bruxelas, para presidir à Comissão Europeia, deixando-nos na mão de um incompetente nato, encapotado pela pose de populista, bonacheirão e bom falador; foi o ano do Euro 2004, e quem já esqueceu a derrota injusta contra a Grécia?; foi o ano da dissolução parlamentar imposta pelo Presidente da República... com quatro meses de atraso; finalmente, foi o ano em que tsunami passou, infelizmente, a constar no vocabulário mundial, marcado pelas milhares de mortes no sudeste asiático, zona maravilhosa do nosso planeta. Foi um ano bissexto, dizem os anciãos que é costume ser extaordinário. Terá sido? Não sei.
Jacob Needleman diz que «quando nos preocupamos, estamos a partir do princípio de que sabemos o que provavelmente vai acontecer no futuro e as nossas emoções utilizam o pensamento para lidar imaginariamente com este suposto futuro antes dele acontecer.» Será o ano de 2005 um ano normal? Não sei.

Carlos M. Gomes

quinta-feira, 30 de dezembro de 2004

O caminho é que interessa

«O rapaz começou a subir a duna lentamente. O céu coberto de estrelas, mostrava de novo uma lua cheia; tinham caminhado durante um mês pelo deserto. A lua iluminava também a duna, num jogo de sombras, que fazia com que o deserto parecesse um mar cheio de ondas, e que o rapaz se lembrasse do dia em que soltara livremente o cavalo pelo deserto, dando ao Alquimista o sinal que ele esperava. Finalmente a lua iluminava o silêncio do deserto, e a jornada que fazem os homens que buscam tesouros.
Quando, depois de alguns minutos, chegou ao topo da duna, o seu coração deu um salto. Iluminadas pela luz da lua cheia e pelo branco do deserto, erguiam-se majestosas e solenes as Pirâmides do Egipto.
O rapaz caiu de joelhos e chorou. Agradecia a Deus por ter acreditado na sua Lenda Pessoal, e por ter encontrado certo dia um rei, um mercador, um inglês e um alquimista. Sobretudo, por ter encontrado uma mulher do deserto, que lhe tinha feito entender que o Amor jamais vai separar o homem da sua Lenda Pessoal.
Os muitos séculos das Pirâmides do Egipto contemplavam, do alto, o rapaz. Se ele quisesse, podia agora voltar ao oásis,pegar em Fátima, e viver como simples pastor de ovelhas. Porque o Alquimista vivia no deserto, mesmo compreendendo a Linguagem do Mundo, mesmo sabendo transformar o chumbo em ouro. Não tinha que mostrar a ninguém a sua ciência e a sua arte. Enquanto caminhava em direcção à sua Lenda Pessoal, tinha aprendido tudo o que precisava, e tinha vivido tudo que tinha sonhado viver.»
O Alquimista, de Paulo Coelho, sabe fazer o caminho, e no fim o destino, o sítio para onde se caminha já é irrelevante. O que conta é a viagem.

Carlos M. Gomes

segunda-feira, 27 de dezembro de 2004

Realmente

Por força da vida, às vezes, as pessoas têm de seguir rumos diferentes daqueles que esperavam. Nestas horas, lembro-me sempre das palavras de Juan Luis Cebriàn, ex-director do jornal espanhol "El País". «Os jovens de hoje fostes afortunados: recebestes melhor alimentação e melhor informação, desfrutastes de mais comodidades do que os do pós-guerra. Paradoxalmente, gozais de menos oportunidades. O ciclo vital que todos queríamos e pelo que todos lutámos, a norma segundo a qual os filhos devem viver melhor do que os pais -- não é a história uma acumulação de progresso? --interrompeu-se, pelo menos no que diz respeito ao emprego». Mas há sempre esperança no futuro. «Crê no que te digo, amigo, preocupa-te em trabalhar e em ter uma atitude transparente, o resto ser-te-á dado naturalmente. Diz a canção que o que será, será...». Obrigado pelas palavras Juan Luis. Eu acredito, mas devo ser dos poucos.

Carlos M. Gomes

quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

Bom Natal

Bom Natal para todos.

Carlos M. Gomes

terça-feira, 21 de dezembro de 2004

Um doce com sabor amargo

«Contamos como outrora. E por muito mais tempo ainda contaremos. É também evidente que gostamos de nos contar a nós próprios. Sabes o que me aconteceu ontem? Não? Ora ouve. E nós ouvimos. Muitas vezes até, quando vivemos com alguém, ouvimos pacientemente contar a mesma história a diversos amigos. Fazemos este amável sacrifício. Sabemos que ele (ou ela) gosta disso, de se colocar no centro de um relato. É um verdadeiro momento de existência.»
Ora, depois destas palavaras de Jean-Claude Carrière, ouçam lá esta estória que tenho para contar e que se passou ontem comigo e com a Marisa. É bem o exemplo do stress que a aquisição das prendas de Natal criam na maioria das pessoas.
Fomos às compras para abastecer o frigorífico e a despensa. Como não gosto de grandes confusões, enquanto a Marisa tratava dos víveres, fui ajudar uma amiga dela a comprar a prenda para o marido e a escondê-la. Cheguei ao supermercado mesmo na hora certa: a Marisa estava na caixa a pagar. Carro carregado, despensa e frigoríficos abastecidos. Pensei que aquele fastidioso processo tinha, este mês, corrido muito bem. Bem enganado estava. Depois do jantar, passei pela secção dos doces e retirei um Ferrero para adoçar a boca. Tinha sido eu a arrumar a caixa daqueles bombons. Degustei-o com todo o prazer. Sentei-me ao computador, quando a Marisa pergunta: «Carlos, onde é que está a caixa de Ferreros?». Respondi que estava ao pé dos outros doces. Ela retorquiu:«Mas não era para guardar, tenho de a levar amanhã para a troca de prendas no trabalho!» No cúmulo da minha inocência confessei-lhe que já tinha incertado a caixa. Foi vê-la espernear e refilar com a minha gula. Com alguma razão, mas não com toda. Podia ter avisado antes!
Ficamos em tal estado de tensão com as compras de Natal, que até esta minúscula caixa de bombons, a última prenda da longa lista, é elemento perturbador se tiver de voltar a ser comprada. A verdade é que as pessoas adoram as compras, mas não lhes peçam para repetir o processo tão depressa.

Carlos M. Gomes

Curiosidades diárias e não só...

A maioria dos portugueses só vive dois meses por ano. Quando recebem o subsídio de férias e o de Natal. Se no Verão, isso não se sente muito em Lisboa, o mesmo não se pode dizer na quadra natalícia. Os centros comerciais estão cheios, o que é normal. O que já não me parece tão normal é o facto de estarem cheios numa segunda-feira entre as 14 e as 16 horas. Aconteceu, ontem. Fiquei abismado com as massas de pessoas que se acumularam em duas das principais "mecas" do consumismo da capital, o Vasco da Gama e o Colombo, em horas inusitadas. O que me leva à pergunta. Será que toda aquela gente não trabalha - como eu que estou no desemprego - ou todos têm horários versáteis? Fico na dúvida até que alguém me responda.
Como não chegasse a confusão dentro dos espaços comerciais, na estrada ainda é maior. O Chico-Esperto é quem reina no asfalto de Lisboa e quanto mais esperto melhor. Não que seja um condutor inexperiente e incapaz de algumas manobras, mas não concordo com muito do que se vê na estrada. O que me leva a pensar que não é o álcool o principal problema da sinistralidade nas estradas. É a falta de civismo que mata.
Mas como é que podemos ser civilizados se temos pessoas no governo que pediram para apertarmos o cinto durante dois anos para cumprirmos o famigerado défice e agora estamos em risco de não cumprir com essa meta europeia porque o expediente encontrado não funcionou? O governo utilizou uma engenharia financeira - termo politicamente correcto para tentativa de enganar - de última hora. Tentou vender, foi criticado. Arrepiou um bocado o caminho e, afinal ia ceder património a título temporário. Além da confusão lançada nos institutos que ocupam os edifícios, o Eurostat não foi em cantigas e não permitiu esta engenharia financeira. Muitos devem pensar porque é que a cunha do Barroso não funciona. E pensarão ainda no negócio falhado da EDP comprar o Gás de Portugal e perguntarão. O Barroso não está a fazer nada por nós? Compreende-se a lógica dos nepotistas...
Mas a verdade é que Portugal está na iminência de ver as contas públicas chumbadas pela CE. E por uma estupidez. O governo já não sabia que tinha de recorrer a receitas extraordinárias para cumprir com os três por cento do défice? Se sabia porque é que não pensou numa alternativa no caso da malandrice do "lease-back" falhar, como falhou. Agora, afinal, vamos ter de alienar património ou então seremos sancionados pela CE. Tomo a alienação como certa, pois este governo santanista nunca mostrou imaginação e coordenação suficientes para ultrapassar o que fosse. Mas espero que tenham o bom senso para não mancharem mais a fraca imagem nacional no exterior. Alienem. A banca agradece, o povo é prejudicado mas não tanto como se não cumprirmos o défice, e as armas para o PSD ganhar as eleições ficam mais fracas. Parece que Deus escreve mesmo direito por linhas tortas.
Durante um dia como este, o que me safou foi o ar que respirei a ouvir a rádio Oxigénio em 102,6 FM. Vale a pena passar os ouvidos por aquela sintonia.

Carlos M. Gomes

domingo, 19 de dezembro de 2004

Curiosidades diárias e não só...

Em toda a internet existem biliões de páginas, mas umas valem mais a pena do que outras. Na última semana não dei por mal empregues os megabytes gastos no
Abrupto, no Ponto Media e, como estamos num país de trilogias, no blog que um amigo meu dedica ao crescimento da filha, o Mariana Braz.

Carlos M. Gomes

sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

A Conversa

- Tu e eu podíamos ter uma conversa fresca para chegarmos a um acordo e juntos fazermos com que todos nos prestassem atenção...

- Sim isso podia arranjar-se, mas sabes que eu não sou fácil. Sabes quantos me tentaram seduzir sem o conseguir?

- Nem consigo arriscar um número.

- Se te falta essa ambição, porque é que me pedes aquilo que me pedes?

- Porque gosto de ter o que desejo.

- E o que desejas?

- Desejo que cheguemos a um acordo. Quero te seduzir e que tu me seduzas.

- Sem presunção, eu já te seduzi há muito tempo. Tu é que agora me desejas tão ardentemente que nem te controlas. Estás pronto para tudo, menos para aquilo que pode acontecer. Tu podes falhar.

- Eu devo falhar mas, utilizando um lugar comum, tenho de tentar. É como nos Jogos Olímpicos: o que importa é competir e não ganhar.

- Não digas disparates. Tu sabes que se não ganhares não vale a pena competir. Foi isso que te afastou tanto tempo. Isto é um jogo perigoso, no qual só tu te podes magoar. Eu saio sempre ilesa, sem mácula e pronta para o próximo concorrente.

- És uma puta.

- E uma senhora, como vocês gostam...

- Só que eu não disfarço, ao contrário das outras. Estou aqui. Sou um desafio. Eu sei que sou o mar aberto, ou o deserto tórrido, a ilha paradisíaca ou o continente perdido. Eu sou tudo o que quiseres, mas a escolha é imensa. É uma lotaria. Ou acertas – ínfima possibilidade – ou então desistes. Não podes concorrer outra vez, porque se o fizeres o descrédito será maior.

- Então e esta conversa que estamos a ter? Não significa nada?

- Isto é uma pequena entrevista, uma mera amostra da tua ignorância. Digamos que ainda estás muito verde.

- Já percebi que me queres provocar, na esperança que eu não te insulte com as minhas palavras, mas fica sabendo que o vou fazer e mesmo que mais ninguém as leia, elas ficarão aqui sobre ti, a torturar-te, a fazer-te pensar. Terás alguma utilidade e ficarás preenchida. Enquanto eu viro costas e esqueço o que aqui escrevi, de forma a que a vergonha não me açambarque os pensamentos.

- Estás enganado. O que aqui escreves não se limitará nunca a ficar aqui e permanecerá para sempre contigo e inabalavelmente comigo. Podes começar, estou pronta.

- Obrigado.


Carlos M. Gomes

Uma pergunta?

«A doença não me intimide, que ela não possa
chegar até aquele ponto do homem onde tudo se explica.
Uma parte de mim sofre, outra pede amor,
outra viaja, outra discute, uma última trabalha,
sou todas as comunicações, como posso ser triste»

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 16 de dezembro de 2004

Amizade

O tempo passou
Sem nos pedir consentimento
A vida mudou
De um para outro momento
A risada reinava
Nos nossos espíritos despreocupados
Inundava-os de alegria e esperança
A alma cheia de sonhos
Pequenos aventureiros sem guia
Para uns a bonança
Para outros a noite sem dia
A amizade ficou para sempre
É testemunha eterna das nossas vidas
Não nos pode abandonar
Acompanhar-nos-á onde formos
Zelará por cada um
Por nos tornarmos no que somos
Será a luz do dia
A candeia da nossa memória
Transportar-nos-á no sonho
Imiscuindo-nos na vida
Levar-nos-á à vitória

Carlos M. Gomes