quarta-feira, 28 de novembro de 2007

ESTÓRIAS QUE ME CONTARAM


“Deiam alguma coisinha à ceguinha”*

O Natal é uma época do ano que gera os mais bizarros e contraditórios sentimentos nas pessoas. Há quem o viva de uma forma apaixonada, decore a casa com fervor, faça doces em catadupa, procure as melhores prendas. Por outro lado, há também aqueles para quem o espírito natalício é desprovido de sentido. Ora porque estão sozinhos, ora porque são forretas e não lhes apetece andar a entrar em consumismos exagerados, ou muito simplesmente estão a passar uma má fase na sua vida.
E no meio disto tudo há sempre quem se aproveite para pedir mais, para esmolar, para evidenciar desgraças a troco de dinheiro. É normal vermos pedintes por toda a Lisboa, mas nesta altura do ano multiplicam-se, sobretudo nas estações do metro.
É sobre um destes pedintes que tenho uma estória para contar. Entre as desgraças mais comuns para evidenciar a troco de dinheiro está a cegueira. Toda a gente tem pena do ceguinho, coitadinho! Sabendo disso, os cegos percorrem as carruagens do metro pedindo dinheiro. Há os que vão sozinhos, há os que vão em casais. Mas há uma senhora que opta pelo método mais simples. Fica no topo das escadas da saída de uma estação central de Lisboa com a mão estendida, sempre a dizer: «Deiam qualquer coisinha à ceguinha!» A senhora já é entradota em termos de idade, com muitas rugas, mal vestida, com falta de asseio, etc. Devo confessar que a figura já quase me levou a dar-lhe umas moedas, mas sempre hesitei e nunca o fiz.
Um destes dias percebi porquê. Saí mais tarde de trabalho, entrei no metro e não vi a senhora que tenho vindo a falar no seu lugar do costume. Estava mais abaixo a dobrar a cadeira onde costuma estar sentada, colocando-a debaixo do braço, arrumando o dinheiro sacado aos papalvos e a estugar o passo. Sem qualquer tipo de auxílio normal para um cego. Estranhei, mas podia ser do hábito. Ela foi para a plataforma contrária à minha e aí caiu-lhe a “máscara”, pois estava a consultar o mapa do metro e a ver, sim a ver, os bilhetes que tinha no bolso. Afinal, não é cega! E é mais um contributo para eu continuar a não dar esmolas a pedintes. Há o mito de que muitos têm vidas boas, mas que preferem a humilhação a ter de trabalhar. Esta não sei se tem uma vida boa, mas utiliza uma deficiência ilegitimamente, enganando as pessoas. Se quem tem um olho em terra de cegos é rei, então esta que tem dois o que será?

Carlos Matos Gomes


*Texto publicado na Revista Brasil de Dezembro

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Sou um bocadinho open minded...

You Are 56% Open Minded

You are a very open minded person, but you're also well grounded.
Tolerant and flexible, you appreciate most lifestyles and viewpoints.
But you also know where you stand firm, and you can draw that line.
You're open to considering every possibility - but in the end, you stand true to yourself.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

ESTÓRIAS QUE ME CONTARAM

O amor não tem mesmo tradução*

Com o frio de Novembro convém que algo nos aqueça a alma, nos derreta o espírito e nos transporte para temperaturas mais amenas ou mesmo muito quentes. Assim sendo, falemos de sentimentos, de amor, amizade, paixão ou outros que sejam. Falo de muitos sentimentos porque tenho alguma dificuldade em perceber a estória que conto este mês somente sob a perspectiva de um. Eu acho que o que explica o que se passou, e passa, é amor. Mas neste caso o amor é lindo, ou é f….. como escreveu em livro o Miguel Esteves Cardoso? Depende de quem lê.
As coisas passaram-se assim: Havia uma cabeleireira de um bairro dos subúrbios de Lisboa que andava infeliz com a vida. O trabalho era mau, o pagamento ainda pior, o namorado tratava-a mal, sentia-se perdida. Decidiu arranjar um escape para tudo isto. Começou a navegar na Internet à procura nem bem sabia do quê. Alguém, que não eu, informou-a de que havia uns sites sociais que promoviam o encontro entre pessoas, nem que fosse só virtualmente. Inscreveu-se em alguns, criou perfis, começou a ter amigos novos, entrou noutra etapa da sua vida triste.
Digamos que a sua “second life” era mais interessante que a primeira. Passadas algumas semanas de reconhecimento, de trocas de mails, de grandes conversas com um amigo virtual aconteceu-lhe o que já não é novidade para quem costuma andar nestas lides: ganhou vontade de conhecer a pessoa por trás do outro teclado. E assim foi, arranjou coragem, encontrou-se com ele e gostou. Trocou de namorado, ficou mais feliz, ganhou sorriso. Tudo como numa estória da Cinderela moderna, mas há um pormenor relevante para que o enredo ganhe outra força: o novo namorado é tetraplégico! Começaram a criticá-la, que não tinha futuro, que a vida ia ser má. Ela fartou-se e fugiram os dois. Não sei onde estão, nem quero saber. Só espero que estejam a viver o seu amor, paixão, amizade e afins com intensidade, com calor e que derretam todo o frio deste Inverno. Os cépticos que vão às malvas e que continuem como as pedras…. frios!

Carlos Matos Gomes

*Texto publicado na Revista Brasil, do mês de Novembro

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Hipocritamente correcto

"Há grande afluência nas saídas das grandes cidades, com muitas pessoas a voltarem aos seus pontos de origem para verem os seus entes queridos", disse um agente da GNR num noticiário da Antena3 na quinta-feira, dia de todos os santos. Fiquei, mais uma vez, espantado com a capacidade eufemística dos nossos guardas. Aquilo foi uma forma escusadamente eloquente de dizer que as pessoas aproveitaram para ir à terra. E parece que a maioria tem só familiares no Algarve!!! Adiante, que o hipocritamente correcto é uma merda.