terça-feira, 29 de maio de 2007

E vocês?



ESTÓRIAS QUE ME CONTARAM

No nosso dia a dia assistimos às mais diversas formas de discriminação por parte de todos em relação a todos. Não se pense que só as minorias são alvo deste fenómeno social. Há mais a serem discriminados seja pelo que for. Por exemplo, há dias assisti a uma conversa entre uma senhora bem na vida com uma vendedora da revista CAIS de apoio aos sem abrigo. A primeira estava a adquirir uma edição, mas enquanto tirava as moedas da carteira, aproveitou para dar um sermão à indigente e começava assim: «Vocês fazem sempre a mesma coisa. Têm de fazer isto com outra cara, blá, blá...».
A minha atenção ficou no pronome pessoal “vocês”. Parece uma palavra inofensiva, mas deve ser das mais discriminatórias do léxico nacional. A senhora bem na vida utilizou-a, ainda por cima, com um nível de pedantismo acima da média, colocando-se muito distante do “vocês” a quem se dirigia. Sem ser ofensiva directamente, humilhou a pobre senhora que só queria vender a CAIS e que não estava minimamente interessada em saber o que pensa uma mulher de classe superior.. Ah! Que asneira a minha, não existem classes na sociedade! Somos todos iguais!
Mas não é só nestas situações de óbvia desigualdade que a palavra ganha tons discriminatórios. Quantas vezes, nós próprios, já a utilizámos para discriminar de forma pejorativa alguém? Quem nunca se referiu, ao falar com um amigo, que “vocês, os do Benfica, do Flamengo, etc” são desta ou daquela forma? Ou num contexto político? Por exemplo, “vocês”, os de direita ou de esquerda agem sempre assim! Num ambiente religioso: “Vocês”, os católicos, os judeus, os muçulmanos ou outros pensam e agem assim!. Mesmo dentro do local de trabalho com um simples “vocês”, os da informática, por exemplo! Ou “vocês”, os professores, os taxistas, os médicos, os jornalistas, os políticos, os pedreiros, etc!
O que este “vocês” tem de violento é que generaliza e faz crer que uma pessoa por exercer determinada profissão, acreditar em determinado Deus, ser adepto de um clube ou pertencer a um partido, pensa ou age de forma idêntica e previsível. Se um católico age mal: “vocês, católicos agem todos mal; se um adepto do Benfica é entrevistado e está bêbado: “vocês benfiquistas são todos uns pinguços!”; se um indigente faz pela vida como pode a vender revistas nas ruas: “vocês os pobres precisam todos de mudar de atitude”. Minha senhora, vocês os bem postos e quejandos têm é de aprender que os valores não dependem do dinheiro e uma mísera esmola não dá direito a proferir sermões aos mais desfavorecidos! “Vocês!”

NOTA: Este texto vai ser publicado na Revista Brasil no próximo mês. Inauguro aqui o hábito de o pré-publicar - julgo que o director não vai ficar chateado.

3 comentários:

Anónimo disse...

Não te preocupes. Sondagem recente concluiu que dos nossos 14 leitores apenas 0,82 têm acesso a meios informáticos e 0,14 dominam a técnica do i-meio.

Anónimo disse...

REVISTA BRASIL !!!
Porque será que não explicas o que se passa?

Artur Braz

Carlos M. Gomes disse...

Pi, sinceramente não estou a compreender o alcance das tuas palavras! A não ser que estejas a dizer que por ter Brasil no texto, tem alguma coisa a ver com mulheres...