terça-feira, 3 de maio de 2005

A liberdade que temos

Hoje foi assinalado o Dia da Liberdade de Imprensa. Deu-me vontade de rir. Tendo em conta o que se passa em Portugal, onde não há guerras, nem conflitos dessa monta, a liberdade de imprensa é uma miragem, um engodo pós-25 de Abril. A imprensa nada mais é hoje, em Portugal, do que o fraco substituto de uma opinião pública. Uma opinião pública que fortaleça a sociedade civil.
Hoje, só quem aparece é que é gente. Os imbecis dos reality-shows não passam despercebidos em lado nennhum. As pimpinhas, as cinhas, as lilis caneças, as pequeninas rodrigues e outros sucedâneos mal conseguidos de uma elite proliferam. Dão a imagem de que aquela gente é que é referência.
Na rua poucas pessoas sabem, por exemplo, quem é Teresa Patrício Gouveia, a administradora da Gulbenkian. Uma mulher que muito fez, e faz, pela nossa cultura. Ninguém fala dela nos autocarros. É um exemplo entre muitos.
Por isso, voltando ao tema principal, a liberdade de imprensa degenerou numa loucura mediática que nos consome e nos fecha no mundo, dando a sensação contrária. Rouba o tempo para pensar, não deixa mesmo espaço para a reflexão. Conduz-nos a um processo de estupidificação.
Não são palavras novas as minhas. Podia também falar dos grande grupos de comunicação social, que vêm os lucros a crescer sumptuosamente à conta de redacções infestadas de jornalistas de aviário, sem massa crítica, uma série de seguidistas que tudo fazem para segurar o tacho. Enfim, é tema para outro post. Mas aqui fica a pergunta: É esta liberdade sem luz ao fundo que nós queremos. Eu não!

Carlos M. Gomes

1 comentário:

VFS disse...

Polido Carlos:
Por casualidade, ou por causalidade, verteu um comentário no receptáculo relativo a um texto em que denunciava o enlevo que me infunde a misantropia. Herberto Hélder é o paradigma mas, ao contrário do poeta da soturnidade, clamo de júbilo quando recebo uma visita. Não qualquer visita. Visitas há, pelo que revela o contador, algumas. No entanto, a grande maioria é silenciosa. Ouvi um ruído e, estremunhado, abri a porta. Encontrei a oferenda que reforça os meus sonhos e tonifica o meu temor de queda: o elogio da escrita.
Muitos aforismos pessoanos são alvo de rapinas quotidianas, embora os usurpadores se limitem a reproduzir frases de um excelso. Muito mais do que exibição vácua de "erudição" está na base da escolha da frugal, mas imensa, asserção em que Pessoa alcandora a Língua Portuguesa a símbolo máximo do patriotismo. Pelo expendido, compreenderá o gáudio que as suas palavras provocaram.
No entanto, uma dúvida amordaça-me, pelo que necessito de dissipá-la. Não me agrada ser refém da idade e, ao contrário do que supõem os que me aspergem com louvores, acabrunho-me quando as minhas supostas aptidões são enfatizadas devido ao contexto indigente que me envolve. Lembro-me sempre da pungência de Aquiles quando, no Hades, confessa que preferia ser escravo de um escravo do que Rei entre as sombras. Afirma, para minha alacridade, que o meu espaço é "de um primor assinalável em tão tenra idade". Albergo uma propensão irreprimível para escalpelizar as palavras lisonjeiras do outro, procurando na rutilância mensagens subliminares que golpeiam depois de acariciarem. Naturalmente que, habitualmente, não há uma intenção consciente por parte de quem permite brechas nos elogios, mas pergunto-lhe: a rudeza proliferante transforma o meu espaço num primor? Olvidando a idade, mantém-se a opinião, ou só posso aspirar ao refinamento no meio da escória. Perdoe-me mais este exercício catártico, mas se há algo que realmente me desassossega é ser rei entre as sombras e escravo no meio do fausto intelectual.
Um grande abraço, deste conterrâneo que vinca o desejo de preservar, e incrementar, o diálogo "virtual". Até que, um dia, possa voltar a sentir a chama real do Dragão...
Vítor Sousa